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teatro torto ( fonte blog do yuri allef ator )

   Marcelo Bulgarelli .  jornalista dramaturgo .  (rs)






Marcelo Bulgarelli, do Teatro Torto (RS), apresentou técnica baseada na biomecânica em oficina e espetáculo
O FILO 2011 recebeu um dos principais estudiosos brasileiros da biomecânica – método de preparação do ator desenvolvido por Meyerhold, um dos encenadores mais importantes da primeira metade do século 20. Marcelo pertence ao grupo gaúcho Teatro Torto, que, com uma linguagem própria baseada no trabalho corporal do ator, compõe montagens como Dia Desmanchado, apresentado no Festival. Até o último sábado (18), o ator e protagonista do espetáculo-solo ministrou oficina com as técnicas do grupo:
A ação teatral – os princípios básicos da biomecânica para a construção da ação.
O título auto-explicativo resume o conteúdo dos cinco encontros dirigidos por Marcelo Bulgarelli. Por meio de uma série de exercícios práticos, ele apresentou para os alunos, principalmente advindos do curso de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Londrina, ferramentas úteis para suas concepções artísticas.
“A biomecânica possui princípios muito concretos para o trabalho do ator. São princípios que o auxiliam em seu trabalho criativo, serve de alicerce, independente do estilo de atuação que ele vá realizar”, explica o ator.
Idealizado como uma espécie de educação física para o artista cênico, o sistema meyerholdiano prevê o emprego de grande esforço na realização do mais sutil gesto – compreendido como trabalho de todo o corpo do ator. Ele desdobra-se em movimentos econômicos, baseados em exercícios de alavancas ou molas. Toda a partitura é calculada e a atenção está concentrada sobretudo no plano físico.
Marcelo explica que tais princípios são apropriados e transformados pelo Teatro Torto, de modo que se enquadrem no trabalho do grupo.
“Já não é a biomecânica de Meyerhold, mas a biomecânica do Teatro Torto, que a gente trabalha, pesquisa e compartilha”, explica.
É por meio dessas investigações que o ator, sob a direção de Tatiana Cardoso, adentra o universo da criação utilizando-se de movimentos que são próprias da preparação física.
“O tempo inteiro, os princípios que orientam o treinamento são totalmente teatrais, pensam na ação do ator em relação ao espectador e a todos os elementos do teatro”, pontua.
A ação, aqui, é o ponto de partida para uma dramaturgia ditada pelo corpo e por suas possibilidades. Assim acontece com a montagem Dia Desmanchado, que nasceu do repertório técnico acumulado pelas pesquisas do ator e por ações criadas a partir de uma situação central: um homem à espera da carta de uma mulher.
Ao longo de um ano, os integrantes do Teatro Torto experimentaram possibilidades de materializar a narrativa cênica, de modo que o espetáculo evocasse as diversas percepções do tempo. Ainda que pautado em repetições temporais, a trama passa-se a partir de uma sequência fluida e ordenada de movimentos, executados em consonância com trilha original de Jackson Zambelli e Sérgio Olivé.
“O processo de montagem – lembra Bulgarelli – foi muito rico, muito intenso. Em biomecânica, tudo é música, cada ação é pensada e precisa, tudo é coreografado. O sistema fornece sustento para se trabalhar dessa maneira”.
O ator apaixonou-se pela biomecânica há dez anos, quando ainda era estudante da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, em Monte Negro. Após uma oficina sobre a técnica, começou a estudar e percebeu o contato que o sistema concebido por Meyerhold tinha com o trabalho de treinamento físico desenvolvido pela diretora Tatiana Cardoso, do Teatro Torto. Marcelo Bulgarelli passou a fazer parte do grupo em 2007.
Naquele ano, ele resolve aprofundar-se na técnica e procura o mestre Gennadi Nikolaevic Bogdanov, integrando, desde então, o Centro Internacional de Estudos de Biomecânica Teatral em Perugia, na Itália, onde cursou intensivo de dois anos. Marcelo mantém contato com o Centro italiano, para onde regressa anualmente para novos aprendizados.
PONTO DE VISTA – Quando o torto é direito
“A vida inclui tudo o que poderia ter sido”. A frase do ensaísta Alan Lightman, citada por Marcelo Bulgarelli, confere a dimensão justa de seu “Dia Desmanchado” – apresentado na edição 2011 do FILO. A encenação, se inicialmente causa estranheza, não o faz por incoerência interna, mas justamente por construir uma nova lógica e trabalhar numa zona de sensibilidade com a qual o público não está acostumado.
A partitura anti-realista, com movimentos corporais bem desenhados, em andamento sincopado, chama-nos logo para uma fruição talvez cômica. Mas tão logo o riso acusa esboçar-se, o personagem mostra a dimensão do seu drama. Um homem perdido entre as várias camadas do tempo reconstrói o seu destino usando como matéria-prima o sonho, o desejo. Ele aguarda a presença da mulher amada, ainda que por carta.
Como é próprio de um angustiado amoroso, ele prefere perder-se no labirinto das próprias divagações. Transforma os utensílios da casa em mundos possíveis, em paisagens oníricas onde reina – só -, acompanhado por objetos, para os quais convém dar vida.
O rádio, anunciando as horas, parece a única referência de realidade num universo que é território da ilusão. Batem as horas de um presente imutável, que se repete na percepção cronológica do público. Mas, para o homem, situado entre paredes moventes, o tempo não é mais célere que o exaspero da espera.
Autoridade em biomecânica, Marcelo Bulgarelli exerce com tamanha naturalidade a técnica a que se propõe, que a expectação, após adentrar o universo ficcional, parece esquecer-se da lógica externa à trama. O discurso deixa de ser meramente físico, focado nos limites do corpo, para abrir-se à dimensão existencial. O corpo, sem dizer palavras, dita com clareza os sentimentos e seus reveses.
Figurinos e cenografia pintam um enorme quadro impressionista/surrealista, como um quarto de Van Gogh ou um céu de Magritte. Mas tudo já não é, numa encenação que leva a cabo o que há de mais mágico no teatro: a poiesis da transformação pelo sonho. Único caminho possível para quebrar os grilhões da quarta dimensão.

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